tag:blogger.com,1999:blog-19548473102372063182024-03-14T00:52:30.887-07:00ARQUIVO PERMANENTEArquivo Permanente é o nome moderno que se dá ao velho ARQUIVO MORTO. Pois então, isto aqui é mesmo uma espécie de Arquivo Morto. Florianópolis, Ilha de Santa Catarina.JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.comBlogger11125tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-90759058873996630552014-02-15T01:14:00.000-08:002014-02-15T01:14:04.804-08:00PASTA 1 - MORTE NO BAR<div align="justify">
Às cinco horas da manhã já se podia ouvir os primeiros movimentos na fazenda do Tio Manoel Rodrigues, escuro ainda, o inverno cortante do pampa, a lida do campo era dura, mas agradável. Era o que lhe dava a coragem e o entusiasmo para saltar da cama, abrindo num arranco só o seu lado das cobertas em direção às bombachas, às botas, ao cinturão para a arma-de-fogo e o grande facão, meio solto, meio preso, atravessado nas costas; a camisa de flanela, quentinha, e os blusões de pura lã uruguaia garantiam a ida ao banheiro e à cozinha, para buscar a cuia e a chaleira, já prontas, preparadas “pelas negras da cozinha”. Era o primeiro mate do dia.<br />
Eu via, do quarto ao lado. Eu aprendia e procurava fazer como ele. O frio do pampa era de rachar a pele e a alma. Doía fundo!<br />
Montar no cavalo, recorrer os campos, distribuir as ordens, revisar os animais, carregar nos lombilhos algumas ovelhas machucadas ou doentes, perscrutar as necessidades dos pastos, sentir o vento, olhar o céu, passar ao capataz e aos peões as suas impressões sobre o tempo, as implicações desse possível futuro sobre os trabalhos que se desenvolviam na fazenda, e já se aproximava o meio-dia, hora de voltar, apear, dar uma olhada nos pátios, gritar avisos, ordens, e entrar “nas casas”, para o segundo mate do dia, após tirar as botas e calçar as alpargatas, dando sossego aos pés e puxando, com gosto, o ronco da mateada.<br />
O progresso chegava célere ao interior do Rio Grande, não somente via Porto Alegre, ou Pelotas, esta, uma das principais cidades do Estado gaúcho, mas também via Montevidéu, a capital do Uruguai, cognominada “a Suíça latino-americana”, toda européia e sofisticada nos seus magazines estilo londrino e a sua vida noturna repleta de cassinos e conversas sobre as últimas de Buenos Aires e os resultados do jóquei.<br />
O Tio Manoel pressentia a fronteira, a encruzilhada entre o velho e o novo que se avizinhava massacrante: o cavalo e o trator, a bombacha e a calça Lee; a enorme antena de televisão, a única do município, instalada por técnicos pagos a peso de ouro, vindos de Montevidéu, era prova suficiente da lucidez que o assaltava e mexia com seus valores conservadores demais, tradicionalíssimos, nada revolucionários, politicamente, para os padrões de pensamento moderno que se agigantavam sobre o antigo Rio Grande de São Pedro. Mas embora conservador de valores, examinava detidamente o moderno da técnica, das inovações. Este era o seu lado revolucionário, quem sabe para manter as aparências frente ao seu grande público, estar na crista da onda, e assim evoluía, de um lado, resmungando contra os novos tempos e seus valores, e de outro, saltando na frente dos seus contemporâneos, adquirindo tudo o que a revolução tecnológica norte-americana trazia em sua invasão na América Latina. Conviviam ali, na grande fazenda, o passado – filho de Martin Fierro - com cheiro de vento bravio e caudilhesco do pampa, das sesmarias, dos cavalos xucros, e as granjas superequipadas de ceifas, Ford’s Majors, Toiotas e equipamentos de rádio-comunicação.<br />
Ele não gostava do João Goulart, odiava o PTB do Getúlio Vargas, arrepiava-se ao ouvir falar de Fernando Ferrari e Reforma Agrária, era racista, achava que lugar de negro era na cozinha e que Deus fez uns para mandar e outros para obedecer, eternamente; não acreditava que o ensino pudesse modificar esse panorama e que as coisas eram assim porque eram, e por isso gostava dos militares, queria-os no poder, que derrubassem esse comunista do Jango e colocassem o país novamente nos eixos, para acabar com essa bagunça de empregados e líderes sindicais quererem externar livremente as suas opiniões, onde é que já se viu tanta barbaridade, não se tinha segurança para o capital, ainda bem que quase todo o seu dinheiro estava bem guardado em bancos uruguaios pois, a qualquer loucura do Jango, bandeava-se com seus negócios para el país hermano.<br />
- O tal livro nunca saiu, essa é a verdade. Bêbado fala demais! Discute muito! Aqui pra nós: tu já viste grandes obras saírem voando de mesa de bar? Nunquinha, cara. De saideira em saideira vão fazendo enormes revoluções, tudo de mentirinha! Coisa de bêbado, e drogado. Verdade nua e crua!<br />
Borracho é a mãe! Que merda! Quem é esse idiota pra me julgar? E quem te disse que não vou fazer o livro?<br />
Não sei bem quando decidi fazer o trabalho sobre o acidente que explodiu o avião do deputado Fernando Ferrari. Quando decidi começar eu me lembro bem, foi depois que explodiu o avião do senador Marcos Freire, acabando de uma tacada só com todo o comando do primeiro Ministério da Reforma Agrária do Brasil, cerca de trinta anos após o acidente do Ferrari.<br />
Acontece que sou um cara sensível, romântico. Sei que vivo de imagens e que as carrego como quem carrega flores. Aliás, pra que tantas flores?<br />
Qual o acontecimento, o fio do pensamento que poderia demarcar com exatidão o começo dos acontecimentos? Eu procurava, pesquisava, sabia que havia uma íntima ligação de todos os assuntos.<br />
O livro estaria pronto se eu me dispusesse a virar um burocrata da literatura e da pesquisa. Material eu tenho, não me faltavam entrevistas, depoimentos, inclusive de vários deputados, em jornais da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, como aquele dos trinta anos da morte do Ferrari. Teve um dos deputados que disse na lata que ele foi assassinado. Só que eu não tenho saco, e também acho que não adianta, não vai mudar nada, e esse tipo de assassinato nunca deixa rastro.<br />
Cheguei até a imaginar uma viagem a Santa Maria, onde o Fernando Ferrari nasceu. Foi no distrito de São Pedro. Ele fez o ginásio em Santa Maria, com os irmãos maristas. Fez faculdade de Direito e de Economia, e pós-graduou-se em Sociologia no Rio de Janeiro. Sei tudo do cara, e daí? Daí que esse idiota talvez tenha razão. Esse negócio da viagem a Santa Maria, cheguei mesmo a planejá-la no bar, e tomamos um porre homérico fazendo essa viagem.<br />
O Ferrari era do PTB, mas foi expulso. A expulsão foi um negócio super duvidoso e arbitrário, e numa época em que partido político era realmente sério e importante. Acho que o processo foi montado em Porto Alegre. Então ele fundou o MTR - Movimento Trabalhista Renovador, e celebrizou-se na famosa campanha das mãos limpas, como candidato a Vice-Presidente do Brasil. Somente a escola e as crianças devem ter privilégios. Imagina, com esse slogan, se o sistema não iria acabar com esse doido. Um louco que parecia, com o perdão da comparação barata, uma espécie de bispo Macedo da época, só que ao invés de ser no terreno religioso, era algo muito mais imediatamente perigoso. Tratava-se de Reforma Agrária! E o povo já estava adorando aquele cara de sorriso avassalador!<br />
Na verdade, acho que não faço uma peça única, um trabalho acabado, como o livro, porque quero sempre encontrar a tal linha que une todas as coisas.<br />
Eu já tinha encontrado fatos bem demarcadores, além do básico, naturalmente: que ele nasceu em 14 de Julho de 1921; que foi um dos fundadores do PTB e deputado estadual de 1947 a 1950, pelo Rio Grande. Não tenho detalhes, como o tipo do avião, sei apenas que era teco-teco, essas coisas. Fico mais na filosofia do negócio e vou me esquecendo de encher a lingüiça.<br />
Já o Tio Manoel Rodrigues era descendente do Gumercindo Saraiva, El General de La Libertad, chefe militar da revolução federalista de 1893.<br />
O Gumercindo Saraiva desafiou os desmandos da República de Floriano Peixoto, na revolução mais sangrenta do sul do país, chamada “a revolução da degola”, porque os caras não faziam prisioneiros, degolavam a todos, em ambos os lados da contenda, e isso não consta nos livros de história das nossas escolas.<br />
O Fernando Ferrari elaborou o Estatuto da Terra, uma lei sócio-humanística formidável, porém a mais desrespeitada do Brasil, até hoje.<br />
E daí que eu vinha numa linha de pensamento que acabava por chegar na segunda explosão, que foi a do avião do Marcos Freire, quando explodiu toda a cúpula do Ministério da Reforma Agrária, durante o governo Sarney.<br />
É pesquisa demais pra fazer! Dessa última morte eu tenho esta entrevista do senador na revista Senhor 339, do dia 15 de setembro de 1987: <em>" O avião que levava Marcos Freire a Brasília explode pouco depois de decolar no aeroporto de Carajás, é a notícia estampada na maioria dos jornais brasileiros. O ministro Marcos Freire estava otimista na manhã de sexta-feira, dia 4, véspera do seu qüinquagésimo sexto aniversário... além do ministro Marcos Freire, morreram o secretário-geral do Mirad, Dirceu Pessoa, o presidente do Incra, José Eduardo Vieira Radnan, e seu chefe de gabinete, Ivan Ribeiro, o secretário particular do ministro, José Teixeira, e seu pai, Amaury Teixeira, e toda a tripulação formada pelo coronel Wellington Rezende, o co-piloto, capitão Jorge Soshimura e o terceiro sargento-mecânico Carlos Alberto. A versão de sabotagem do avião do ministro prosperou nas horas seguintes. Uma possibilidade que crescia em função das ameaças telefônicas que Freire e toda a sua família passaram a sofrer tão logo ele assumiu o ministério, em substituição a Dante de Oliveira. Mas as causas reais do acidente só serão conhecidas após a rigorosa investigação determinada pelo governo...”</em>Os últimos dias do Tio Manoel Rodrigues não saíam da minha mente. A sua irritação, o seu nervosismo, a sua ira com o processo político e com as transformações sociais e mais uma úlcera estomacal que corroía completa e definitivamente o seu principal órgão de choque.<br />
Como me comoveu quando eu encontrei, na casa dele, aquele livro, escrito em espanhol, sobre a vida do Gumercindo Saraiva. Cheguei a decorar o primeiro parágrafo:<em> Ya se van echando las sombras sobre la tierra uruguaya... Eu adorava isso, por causa da minha veia poética.</em>Anos depois, dei pra pensar que uma morte honrosa seria morrer de bala, por uma causa, ou explodido num avião. O Gumercindo morreu de bala na nuca, e depois teve a sua cabeça cortada, assim como a do Lampião e a da Maria Bonita. Eu? Morto na merda, essa é que é a verdade. Cirrose hepática aos trinta e dois é, sim, morrer na merda, ou melhor, na cachaça, o que dá no mesmo.<br />
Nunca gostei de velórios, muito menos, evidentemente, do meu. Sinto-me idiota, assim, deitado, com esses imbecis emitindo opiniões sobre mim.<br />
Levo uma obra inacabada comigo, talvez mais, que se esvaíu nas espumas dos meus copos de cerveja, como a própria Reforma Agrária, que morre a cada dia nas mesas dos bares da vida, num velório interminável de discussões etílico-burguesas, ou simplesmente porque seu nascimento, no Brasil, é mesmo um incorrigível parto estagnado, à espera de uma cesariana milagrosa que há de vir unicamente por obra de Deus.<br />
Volto para a fazenda do Tio Manoel. Sinto o cheiro dos capões de mato, o barulho que faço quando jogo pedras, despreocupadamente, no monte de ossadas limpas e brilhantes ao sol, detrás do grande galpão, próximo ao local de carnear as ovelhas para o churrasco da peonada. O vento que vem da Lagoa Mirim tem um cheiro adocicado e lembra também o gosto do junco recém puxado das suas margens arenosas, quando os arrancamos para mordiscá-los. O pampa tem a magia dos horizontes que se perdem na imensidão infinita: pra todos os lados sente-se liberdade, uma sensação de vôo, pássaro solto, vento bravo, igual, como agora, como neste mesmíssimo momento, sem peso, sem prisões, sem corpo, recomeçando, renascendo, pampa, vida, pampa, horizontes. </div>
JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-78770063527670970302013-05-10T00:18:00.001-07:002013-05-26T13:53:28.910-07:00PASTA 11 - GUARDADOS POÉTICOS BEM EMPOEIRADOS<b>VAMOS COMEÇAR COM UMA MESTRA:</b><br />
<br />
Não queiras ter pátria<br />
Não dividas a Terra<br />
Não dividas o céu<br />
Não arranques pedaços ao mar.<br />
Não queiras ter.<br />
Nasce bem alto,<br />
Que as coisas todas serão tuas.<br />
Que alcançarás todos os horizontes.<br />
Que o teu olhar, estando em toda parte<br />
Estarás em tudo,<br />
Como Deus.<br />
<br />
Cecília Meireles<br />
_____________________________________________<br />
<br />
<br />
Bem, vamos arriscar alguns, empoeirados...<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">MINHA BAGAGEM<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> </span><span style="font-size: 12pt;"> </span><span style="font-size: 12pt;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Comodamente,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">carrego a minha bagagem de insatisfações.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O que aconteceu?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">As insatisfações são as mesmas de sempre!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Tornei-me forte?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Proletário sindicalizado do amor?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Ou esperto observador<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">canalha da vida<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">driblador<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">consciente da carga nefasta<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">da bomba atômica de gerações<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">e gerações<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 106.2pt; text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">de desamor</span><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"> </span><br />
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span>
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span>
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span>
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span>
<br />
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">NATUREZA<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Árvore
pedra seiva pasto estrume<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">emudece
umedece a criança<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
pai o xixí<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">a
angústia parada<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">a
tristeza<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
nada</span><span style="font-size: 12pt;"> </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">lixa<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">rixa<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">madeira<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">instrumento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">pássaro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">ovos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">fermento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">restauro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">instalo
o banheiro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
prédio<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
cimento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">mudo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">ciumento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">cavo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
buraco<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">paro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">penso<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
corpo a semente a mulher o tormento<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">fogo
paixão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">rezo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Deus</span><span style="font-size: 12pt;"> </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">a terra escura abriga o grão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o mar<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">espuma-branca<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">rasteja
a cobra<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
lagarto<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">a
escopeta<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
homem<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
homem mata!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Estouro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">escuto </span><span style="font-size: 12pt;">a
boiada obedece o chefe</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">telepata<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o fio
telefone TV Cabo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">retorno<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">fundo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
buraco<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">negro
trabalha<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">branco
comanda a fome<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">a
sociedade<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">um
ser<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">bio-socio-lógico<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">estala<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">não!!!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">A
platéia espera<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
ser político<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">ator<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">todas
as respostas prontas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
kkkk</div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">estupidez cacofônica<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">prenhez
irrefletida de simples associação!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">(isto
foi o racional dominando)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">que importa?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> </span><span style="font-size: 12pt;">A
pedra</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
rio<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
vazio<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
fio demente<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> a</span><span style="font-size: 12pt;"> vacina</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">o
virus<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">êpa!</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O
virus!?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> e</span><span style="font-size: 12pt;">sperma
espraia</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">a
onda na praia<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">a
rocha roliça<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">formosa</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12pt;">o
prazer.</span><br />
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span>
<span style="font-size: 12pt;"></span><br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-size: 12pt;">
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">PENSAMENTO<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><o:p> </o:p></span></b><span style="font-size: 12pt;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O que estarás fazendo agora?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Tão distante te achas de
mim!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Será que quando penso em ti<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">assim<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">deste jeito<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">faísca um pensamento meu no
teu?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
<br /></div>
</span></div>
<br />
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<br />
<br />
<br />JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-89112025010182731942012-11-22T12:49:00.001-08:002012-11-22T16:18:29.828-08:00Santa Vitória do Palmar - Arquivo Permanente, Pasta 10<a href="http://mortenobar.blogspot.com.br/2012/11/pasta-10-de-pai-para-filho-os.html">ARQUIVO PERMANENTE: PASTA 10 – DE PAI PARA FILHO (OS)</a>JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-45400787784522306182012-11-22T07:07:00.003-08:002015-10-21T14:58:40.482-07:00PASTA 10 – DE PAI PARA FILHO<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">CURRAL
GRANDE</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Quando meu pai faleceu,
minha mãe arrendou o nosso campo para o Senhor Antônio Bermudes e foi morar na
cidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">... distante mais ou menos
cinquenta ou sessenta metros do corpo da casa situava-se o galpão crioulo,
usado para encilhar os cavalos nos dias de chuva. Era uma construção rústica,
de adobe, coberta de Santa Fé, com as dimensões de aproximadamente duzentos
metros quadrados.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Nesse galpão o fogo de chão
era mantido aceso quase todo o dia. Uma chaleira de ferro fumegava suavemente
pronta para quem quisesse tomar um chimarrão. A casa ficava situada na parte da
frente do terreno, fechando a porteira de um capão-de-mato de eucalipto
plantados em forma de U, distante das construções mais ou menos cem metros; e
no fundo do campo o limite da propriedade era demarcado pela Lagoa Mangueira,
precedida por toda a margem Leste por um banhado de palha de trezentos metros
de largura, que deveria ser atravessado para chegar-se a praia de areia à beira
da lagoa, cujas águas límpidas proporcionavam um magnífico banho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A travessia do passo para
chegar-se à lagoa era feita a cavalo ou nadando como várias vezes fazia, quando
ia lá para tomar banho solito, cavalgando uma petiça zaina.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7oSKVYo8HWWubbrFxCMEXCFP203HPbh6XwWJUUP1bfh21k2vul6OvFuNdSU9FLYqxXV5a4cYVfIq-i71ErxbkzcJxjQZTL91T5sGYdzhnV4Q2PYLB156HbeVvarl5NAWx2gOA9rfiyGy7/s1600/lagoa+mangueira+2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="232" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7oSKVYo8HWWubbrFxCMEXCFP203HPbh6XwWJUUP1bfh21k2vul6OvFuNdSU9FLYqxXV5a4cYVfIq-i71ErxbkzcJxjQZTL91T5sGYdzhnV4Q2PYLB156HbeVvarl5NAWx2gOA9rfiyGy7/s320/lagoa+mangueira+2.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Quando havia mulheres para a
travessia, usava-se um bote com lotação para cinco ou seis pessoas,
impulsionado à vara – eu era perito!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">DESTINO:
SANTA VITÓRIA DO PALMAR<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">... e seguimos viagem. Foi
uma odisseia. O Nilo era uma fera para dirigir. O mar continuava crescido, a
praia estava intransitável com inúmeros riachinhos barrancosos no trajeto,
impedindo o trânsito. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Quando isso acontecia, o
Nilo contornava o riacho por dentro do mar e a água do mar entrava pelo piso do
automóvel como um chafariz, deixando-nos bem molhados, principalmente os pés.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">De vez em quando era preciso
descer para empurrar o carro que molhava as velas e se apagava. O Lino descia
para secar as velas do motor e nessas ocasiões as rodas do carrinho se
enterravam na areia umedecida pela água e era uma luta para tirá-lo do
atoleiro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Fazia um frio de matar
passarinho e nós continuávamos seguindo naquela imensa e solitária estrada onde
só se via terra e mar. Fizemos uma parada no Albardão e na casa do faroleiro,
que era o Trinta e Um, filho do velho Documento, da Barra do Chuí e ali tomamos
um reconfortante café, compramos mais uma garrafa de canha e seguimos viagem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Do Albardão à Barra do Chuí
são mais ou menos uns cento e vinte quilômetros. Era por volta de dezesseis
horas da uma tarde fria e cinzenta, o vento soprava com menor intensidade, em
consequência o mar estava mais calmo e a praia ficava cada vez melhor, o
fordzinho obedecia perfeitamente ao comando do chofer e dono, o extraordinário amigo
Lino.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A viagem se tornou mais
tranquila e o trago corria solto, para combater o frio, que cada vez mais nos
castiga. Mais alegres, começamos a declamar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Chegamos na Barra à boca da
noite e descemos um pouco para espichar as pernas e comemorar a vitória de
termos chegado a terra firme e continuamos a viagem de mais trinta quilômetros
até Santa Vitória do Palmar, aonde chegamos a cerca de dez horas da noite, com
a graça de Deus.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Com frio e os pés ainda
molhados, mas feliz; a mãe, vendo-me assim encarangado disse à Tota para trazer
um cálice de licor de butiá, nossa fruta da terra. Estava uma maravilha, mas
tomei pouco, pois tínhamos bebido muito na viagem. Tomei um banho reparador,
conversei um pouco e fui para a cama. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Na manhã seguinte
levantei-me cedo, conversei um pouco com o pessoal da casa e fui para a rua
sentir o pulsar da minha terra natal. Como era linda! Aos meus olhos, ao menos.
Naquela época era praxe os estudantes que iam para fora do município, procurar
os parentes, um por um, dando notícias, mesmo os que morassem longe.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A
PRAÇA DOS ITALIANOS – A PRACINHA<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 70.8pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">“Pido a lós santos Del cielo que ayudem
mi pensamiento<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 70.8pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Les pido en este momento que voy a
contar mi historia<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 70.8pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Me refresquen La memória y aclaren mi
entendimiento”<o:p></o:p></span></i></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="margin-left: 70.8pt; text-align: right;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Marin Fierro<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2Tgx3MonQ5pPqoJoUX50URHrfjFfY5D9Zj3vLq7jL5d-WgbOXtrxXIih8lYIMJFS_Y9yMg6Dur8ItdWR2QePmKX8-pPiZj0iYJcLJWv2LzD9c9X1RfK-uzDkCpzyjt_XciFs_XtHmGLEi/s1600/italianos.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="115" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2Tgx3MonQ5pPqoJoUX50URHrfjFfY5D9Zj3vLq7jL5d-WgbOXtrxXIih8lYIMJFS_Y9yMg6Dur8ItdWR2QePmKX8-pPiZj0iYJcLJWv2LzD9c9X1RfK-uzDkCpzyjt_XciFs_XtHmGLEi/s200/italianos.jpg" width="200" /></a></div>
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Nasci em Santa Vitória do
Palmar, a terra dos verdes palmares, naquela imensa planície apertada entre a
Lagoa Mirim e o Oceano Atlântico, no extremo meridional de nossa pátria,
fustigada na estação de inverno pelos ventos pampeiro e minuano, vindos das
planuras dos países do Prata.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Sou o caçula de uma família
de onze irmãos, contando comigo, sendo sete homens e quatro mulheres. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Morávamos numa casa modesta,
porém ampla o suficiente para nossa família e contendo, ainda, um grande
terreno na parte dos fundos, no qual se plantava verduras e milho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Havia um galpão de madeira,
distante cerca de vinte metros da residência onde se guardava lenha e diversos
utensílios de trabalho na terra, como enxada, pás, ancinhos, etc.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Aquele galpão era também o
palco preferido para as brincadeiras. Ali éramos fazendeiros, construindo os
aramados das propriedades com pedaços de bambu, onde manobrávamos com nosso
gado representado por ossos calcinados das colunas vertebrais e dos joelhos de
gado vacum.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Em nossa casa havia também
um cachorrinho branco chamado pombinha. Era de estatura mediana e raça
indefinida, temperamento dócil e brincalhão, porém agia como um verdadeiro
guardião de nossa residência. Ai de quem entrasse em nosso pátio à noite. O
pombinha se botava em cima que era uma verdadeira fera. Lembro-me de uma noite em
que os irmãos mais velhos tinham saído, ficando em casa eu, ainda guri pequeno
e minha mãe; um ladrão entrou em nosso pátio e para se livrar dos dentes do
pombinha deu-lhe diversas punhaladas, mas o cachorrinho não se entregou e botou
o larápio a correr.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Felizmente o querido cãozinho,
devidamente tratado, em pouco tempo ficou curado dos ferimentos recebidos do
assaltante noturno e continuou vivendo conosco ainda por muitos anos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Nossa moradia ficava situada
perto da Praça dos Italianos (depois, Praça dos Donato). Naquela época era
conhecida apenas como A Pracinha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Consistia num quadrado de
terra de mais ou menos cem metros por cem, cercado por todos os lados com duas
fileiras de acácias e cortada em diagonal por duas fileiras das mesmas árvores,
formando assim quatro gramados que serviam de campo de futebol para toda a
gurizada dos arredores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Jogava-se durante todos os
dias de manhã e de tarde, depois das aulas. Os times eram formados na hora
pelos mais velhos ou então pelos eventuais donos da bola, quase sempre de
borracha e raramente de couro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">As partidas eram disputadas
com os jogadores calçando alpargatas ou tênis, e a maioria de pé-no-chão, o que
acarretava a ocorrência de algum dedão do pé quebrado e algumas das unhas
rachadas, em virtude de raízes de árvores que emergiam do solo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O time principal, que
representava A Pracinha, nas disputas com os clubes representantes de outras
zonas eram escolhidos entre os mais velhos e melhores jogadores, que
constituíam o “primeiro quadro”. Dele faziam parte meu irmão Manduca, o Mário
Donato, o Lito Morrone, o Jorge, de apelido “lampião”, e outros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O segundo time era constituído
com os de menor idade. Naquele tempo existia uma grande rivalidade entre a
gurizada do Centro e da Pracinha, inclusive com batalhas noturnas entre as duas
facções, armadas com pedaços de paus e tijolos e até com o uso de bodoques
municiados com cascos de telhas de barro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A Pracinha era também o
palco de combates entre os de menor idade, geralmente fomentadas pelos mais
velhos, que formavam roda para se divertirem, aplaudindo os vencedores e
gozando com os perdedores. Qualquer motivo, por mais banal que fosse, era
motivo de brigas. Bastava que um dos guris dissesse para o outro, <i>“escuta, tchê, aquele fulano está dizendo
que não tem medo de ti e que tu tem cara de abobado.”</i> Pronto! Já estava
formada a peleia, que durava até que alguém apartasse ou que algum dos
contendores desistisse da luta, pois todos faziam parte da turma da Pracinha e
a maioria das famílias eram unidas por laços de parentesco e amizade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Também tomei parte em várias
brigas e embora fosse de compleição meio franzina, era respeitado entre a
gurizada. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Naquele tempo a maioria das
casas possuíam grandes quintais com árvores frutíferas das mais variadas
espécies. Os moradores eram italianos ou descendentes dos mesmos. Esses pomares
eram por nós visitados furtivamente à noite e de lá saíamos com os bolsos
carregados com frutas da estação, comidas logo na primeira esquina deserta, bem
distante da casa cujo quintal fora assaltado. Na época não considerávamos isso
como roubo, tendo como ponto de honra não estragar as árvores e não apanhar
frutas ainda não amadurecidas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Frequentei o Colégio
Elementar de Santa Vitória do Palmar, que era um educandário estadual da
cidade, distante umas quinze quadras da Pracinha. No inverno era um sacrifício
irmos diariamente às aulas, pois caminhávamos quebrando gelo das tremendas
geadas que se acumulavam no gramado da Praça General Andréa, a qual éramos
obrigados a atravessar para chegarmos ao colégio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Guardo boas recordações
daquele Colégio Elementar, como era conhecido em toda a cidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O diretor era o professor
Tancredo Blota, ex-padre jesuíta, homem de grande saber, extremamente bondoso e
correto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Das professoras, recordo-me
da senhoria Dalva Dupuy, ótima mestra; da professora Rosa, muito enérgica, não
admitia conversas nem brincadeiras durante as aulas, mas atuava com grande
eficiência. A professora Darci Venturine, bondosa e também muito eficiente.
Quanto a mim, nunca fui um aluno brilhante, de passar o dia estudando, porém,
nunca rodei de ano e ficava entre os primeiros lugares.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O curso primário ia até a
oitava série, mas eu fiquei no colégio até a sétima série, porque tinha que me
preparar para ingressar no Ginásio Gonzaga, na cidade de Pelotas. Para tal era
necessário ser aprovado num exame de admissão que era um verdadeiro vestibular.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A família decidiu que eu e
meu irmão Antônio, que era mais velho dois anos do que eu estudássemos com uma
professora particular, para esse exame.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A indicada foi a professora
Zezeca, que morava na casa da Tia Ondina. Também a chamávamos de tia. Estudamos
com afinco e fomos para Pelotas. O exame foi um sucesso. Fomos aprovados com
distinção entre mais de duzentos candidatos. O Antônio ficou em primeiro lugar
e eu em segundo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Tinha eu quatorze anos de
idade e o Antônio dezesseis. Fizemos a matrícula no primeiro ano do curso
Propedêutico do Ginásio Gonzaga. O Antônio ficou no internato e eu fui morar na
casa dos tios Pedro e Amélia, na Rua Andrade Neves, 516, em Pelotas. Lá fiquei
morando um ano. No segundo, fui também para o internato.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Concluído o Curso
Propedêutico, ingressamos na Faculdade de Economia de Pelotas, para fazermos o
curso de Contador, que funcionava à noite. Isso nos obrigou a deixar o
internato e irmos para uma pensão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Antes de contar sobre a vida
em Pelotas, onde vivemos por seis anos, até 1942, preciso falar sobre como foi
a nossa viagem para aquela cidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O nosso município não
possuía ligação por rodovia transitável para ir-se até os municípios vizinhos,
tendo os veículos que usar como rodovia a costa do Oceano Atlântico no trajeto
entre os balneários Barra do Chuí e do Cassino, numa distância de duzentos e
vinte quilômetros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Era uma via muito boa,
quando o mar estava calmo, porém quando os ventos do sul e do sudeste comeavam
a soprar as ondas se agigantavam e avançavam sobre a faixa de areia litorânea,
tornando-a intransitável.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Quando isso acontecia, a viagem
tinha que ser interrompida e os veículos estacionados sobre a faixa de areia,
fora do alcance das ondas, ficando ali até que o vento amainasse e a costa se
tornasse novamente transitável, o que não raras vezes demorava horas e até
dias. Por isso os viajantes se precaviam levando consigo um bom farnel e
agasalhos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Outro fenômeno da natureza
que também provocava a maré enchente era a hora da saída da lua. Então a praia
se tornava intransitável para veículos a motor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O proprietário da linha de
ônibus de Santa Vitória a Rio Grande era o seu José Benito de los Santos,
uruguaio radicado em Santa Vitória do Palmar a muitos anos, grande parte dos
quais dirigindo seus ônibus pela margem do Atlântico até o Rio Grande e
vice-versa, de modo que era conhecedor por experiências próprias de todas as
facetas daquelas viagens, sabendo a hora em que devia parar o veículo e a hora
em que devia seguir viagem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">De los Santos era um homem
cavalheiresco. Tratava a todos com lhaneza, mas também se fazia respeitar
quando era necessário, dirigindo o seu veículo naquela praia imensa e deserta
tal como se fora o comandante de uma nave marítima, com toda a maestria e cuidado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Não existia então Estação Rodoviária
e os ônibus iam apanhar os passageiros em suas residências, acarretando grande
dificuldade ao tráfico, pois as ruas não eram calçadas e quando chovia,
tornavam-se um grande atoleiro. Aquela via pela margem do Oceanos durou até que
foi construída a estrada pelo interior do município, o que levou vários anos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Em nossa primeira viagem
aconteceu algo pitoresco que a bem da verdade devo relatar. Nós nunca havíamos saído
de Santa Vitória para lugar nenhum. O trajeto entre o Rio Grande e Pelotas era
feito por via férrea. Não havia ainda estrada de rodagem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Os passageiros que se
destinavam a Pelotas, como nós, eram desembarcados na Estação-Junção,
aguardando a passagem do Trem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Estávamos sentados diante da
Estação, com a nossa bagagem, quando, de repente, se ouviu o que nos pareceu o
berro de um animal selvagem, tão forte e estridente ressonou. Era o apito do
Trem que chegava. Foi um tremendo susto e me preparei para fugir. O Antônio
teve que me segurar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">______________________________________<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Hoje, 22 de Novembro de
2012, o meu pai, <b>Carlos Rotta Rodrigues</b>,
dono destas <i>bem traçadas</i> linhas, estaria completando 89 anos de idade, se ainda
estivesse vivo. Ele desencarnou no ano de 2007, com 85 anos de idade. Era um
mergulhão apaixonadíssimo pela sua terra natal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Esta <b>“Pasta”</b> estará sujeita a alterações, inclusões, revisões, etc.,
pois é bem possível que eu descubra mais escritos dele, perdidos na papelada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-1215338613554276652012-11-08T04:48:00.000-08:002014-01-19T06:00:38.149-08:00PASTA 9 - TEMPOS DE ESCURIDÃO<br />
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">João Felipe viu duas
vezes o filme LULA – O FILHO DO BRASIL e foi taxativo</span><i style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">: “— penso que deveria
ser matéria obrigatória nas escolas brasileiras. É aula de civismo! O filme
ajuda a redescobrir essa complexa formação do Brasil. A cena do filme da vida
do Lula no estádio de futebol paulista, sem aparelhagem de som e completamente
cercados pela polícia da ditadura... e logo após a prisão do Lula... detonaram
as minhas lembranças, de toda aquela época terrível. Nós, os estudantes,
fazíamos então todo o esforço possível para viabilizar a anistia.”</i></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">João Felipe não
conseguiu dormir na noite em que viu o filme. Vinham-lhe à lembrança todas
essas coisas, a começar pela prisão do Frank, em Porto Alegre.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">Jamais lhe passara
pela cabeça que o Frank estivesse envolvido com os grupos da luta armada. Ele
era o irmão mais velho de dois amigos com os quais muito convivia. Na verdade,
o Frank era um camarada distantes da turma toda, pensava João. Aliás, turma
absolutamente imantada na Bossa Nova emergente e na Jovem Guarda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">O Frank - soube
depois - estava entre os sequestradores do embaixador americano e seria (era)
membro da VPR - Vanguarda Popular Revolucionária (*). Que escândalo! E que
drama! Que loucura foi tudo aquilo!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">Para João, marcara o
início da temporada da escuridão e do medo. Nunca deixou de frequentar os dois
irmãos do Frank, embora eles fossem constantemente seguidos pelos agentes do
DOPS, tivessem sua casa invadida, com violência e desrespeito, à sua mãe viúva
e a uma de suas irmãs, grávida de quase nove meses.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">Submetido à tortura,
o Frank tentou o suicídio. Familiares mais velhos de João, inclusive seu pai,
mobilizaram-se para dar um jeito de suavizar as coisas para o Frank, acionando
amizades institucionais possíveis. E sem dúvida ajudaram, pois logo depois
disso aconteceu a transferência dele para um presídio comum, longe da mão dos
torturadores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">Pegou sete anos. João
queria falar com o Frank de qualquer maneira, mas toda uma barreira familiar
aconselhava-o a deixar para lá, dar um tempo era o melhor, diziam.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">Muitíssimas coisas
aconteceram depois desse tempo, até que um dia, inesperadamente, dia glorioso
de muito sol na Ilha de Santa Catarina, aliás, em 1979, João Felipe caminhava
pela Vidal Ramos quando deu com o Frank vindo do lado contrário, boa pinta,
aquele guerreiro teimoso e obstinado, o Frank. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<i><span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">“— És tu mesmo,
cara”? </span></i><span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">Era! Riram,
abraçaram-se, ambos estavam trabalhando! O Frank estava feliz! E sem marcas
aparentes das torturas. A vida era maravilhosa!! Trocaram cartões, endereços,
telefones, mas nunca mais se viram. Esse cara de boas maneiras não queria
comprometer mais ninguém, possivelmente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">Pouco antes, ou pouco
depois disso, João vira os Generais deixando o poder. Vira o povo de
Florianópolis colocar o General Figueiredo em maus lençóis, na Praça XV de
Novembro, e no Palácio Cruz e Souza. Viu muitas, muitas coisas nesta vida que
anda rápida demais para seu gosto, como gosta de dizer, inclusive muitíssimos
operários de fábricas catarinenses com dedos e mãos decepadas por máquinas,
tornos e prensas que não possuíam os devidos equipamentos de segurança, tal
qual o dedo decepado do Presidente Operário Brasileiro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">A atuação da atriz
Glória Pires, como mãe do Presidente Lula, que coisa mais tocante! As mulheres
brasileiras... a atriz e a mãe, a verdadeira, que duas personalidades fortes! O
Brasil, sem dúvida, sua história, seu processo de formação especialíssima, com
seus efeitos na miscigenação e no emocional do povo, era o maior dos
detonadores emotivos de João Felipe.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">E ele lembrava também
que tinha chorado em Porto Alegre: <i>"— pois é cara, sou mesmo um chorão,
me debulhei em lágrimas ao entrar naquela urna, numa esquina da Demétrio
Ribeiro, para votar após quase trinta anos daquela ditadura infernal, daqueles
tempos sombrios, oscos, proibidos de exercer esse direito básico de cidadão. E
chorei também ao eleger o Lula e depois, chorei ao eleger a Dilma Presidente,
por ser mulher, por ser guerreira, corajosa, por ter sido torturada por aquela
insana e terrível repressão que se abateu sobre o Brasil a partir de sessenta e
oito”.<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">_____________________<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<i><span lang="pt" style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 9.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: #0016;">(*) A Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR) foi uma organização de luta armada brasileira de
extrema esquerda que lutou contra o regime militar de 1964 no Brasil, visando à
instauração de um governo de cunho socialista no país. Formou-se em 1966 a
partir da união dos dissidentes da organização Política Operária (POLOP) com
militares remanescentes do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR).<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-39247066943761595792012-10-27T14:38:00.001-07:002012-11-11T08:50:00.367-08:00PASTA 8 - O MESTRE<br />
<h2 style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small; font-weight: normal;"><span style="line-height: 115%;">Os colégios dele
foram os possíveis. O Colégio São Carlos, das freiras, onde se sentia em
segurança e a partir do primeiro ano primário, possivelmente por questões de economia
familiar, a famigerada “escola pública”; o convívio com a </span><i style="line-height: 115%;">plebe ignara</i><span style="line-height: 115%;">. No caso, o amedrontador e distante Grupo Escolar
Manoel Vicente do Amaral.</span></span></h2>
<h2 style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small; font-weight: normal; line-height: 115%;">O medo de
enfrentar-se com os valentões da escola pública não era pouco. As intermináveis
e diárias brigas de rua em sua <i>zona</i> já
eram bem difíceis; deixava-o ressabiado e meio acovardado. Enfim, tinha que
enfrentar, era o jeito, nem que fosse desviando uma que outra rua,
estrategicamente.<o:p></o:p></span></h2>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyQcG5yzQbvyxRK2zxm7zU9bWVN_uUDflZ5JoyEOpvIp2qhhRQ2TrVjBelFZwOijoGsq9CHFrTv2IGvAGOwGg0eqjOnLsWIcH8cOmLtuQOpd2YPQAbkCOB28qaQiuOwHlAkqNcm74ynDFR/s1600/farol2.gif" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><img border="0" height="150" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyQcG5yzQbvyxRK2zxm7zU9bWVN_uUDflZ5JoyEOpvIp2qhhRQ2TrVjBelFZwOijoGsq9CHFrTv2IGvAGOwGg0eqjOnLsWIcH8cOmLtuQOpd2YPQAbkCOB28qaQiuOwHlAkqNcm74ynDFR/s200/farol2.gif" width="200" /></span></a></div>
<h2 style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small; font-weight: normal; line-height: 115%;">Os anos da escola
primária passaram-se muito rapidamente. Mas não foram mais importantes do que
as férias nas fazendas dos primos e amigos e muito menos do que as fantásticas <i>vacaciones</i> na Barra do Chuí.<o:p></o:p></span></h2>
<h2 style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small; font-weight: normal; line-height: 115%;">E então chegara o
tempo de vestir a farda, o uniforme do Ginásio Estadual de Santa Vitória do
Palmar. Era uma farda efetivamente militar, com galões no ombro que indicavam,
assim como os galões de cabo e sargento, o ano que se estava cursando – do primeiro
ginasial (um galão – um risco em V deitado apontando para fora) até o quarto
(quatro riscos, em azul marinho e branco).<o:p></o:p></span></h2>
<h2 style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small; font-weight: normal; line-height: 115%;">O primeiro ano do Ginásio
equivalia a sexta série, pois eram cinco anos de primário e depois mais quatro
anos de ginásio, para seguir então com o curso científico, ou clássico, ou uma
escola técnica. A partir daí, vinham então os cursos superiores – as
faculdades.<o:p></o:p></span></h2>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihlIjuGBnNAogTWQtoNmDt0PqPGeZSEjpBBu0MCZnRc54nj4x_3OONuzrrTgi95A95uLFIHZS3ft2y0SdGQLcU4Hak3LkO08yYutlbUXVCZMqfyF9ZU2Gt3N9AdUDnKbZEzOB5SCo9_0yy/s1600/S.V.P.2006.ROBERTO5017+080.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><img border="0" height="150" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihlIjuGBnNAogTWQtoNmDt0PqPGeZSEjpBBu0MCZnRc54nj4x_3OONuzrrTgi95A95uLFIHZS3ft2y0SdGQLcU4Hak3LkO08yYutlbUXVCZMqfyF9ZU2Gt3N9AdUDnKbZEzOB5SCo9_0yy/s200/S.V.P.2006.ROBERTO5017+080.jpg" width="200" /></span></a></div>
<h2 style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small; font-weight: normal; line-height: 115%;">Para ingressar no
ginásio - 6º série - era preciso fazer uma espécie de vestibular – o exame de admissão.
Ele passou, a duras penas, de baixo de muita briga e muita teima da mãe e da
“cinta” do pai, além de uma infinidade de professores particulares e castigos. E
por quê? Simplesmente porque para ele nada podia ser tão ou mais importante do
que jogar futebol – que jogava mal, lutar com espadas – que jogava bem, andar a
cavalo e depois de bicicleta, lubrificar as armas e caçar.<o:p></o:p></span></h2>
<h2 style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small; font-weight: normal; line-height: 115%;">Boa parte dos
professores do Ginásio eram bons, sem dúvida, mas aí chegou a sua sorte. Aportava no Ginásio um professor diferente,
com fala diferente, abordagem nova, um jeito de tratar e se relacionar com os
alunos fora do convencional. Retornava para Santa Vitória, com o propósito de
lecionar geografia - o professor Homero. Fechava-se um circuito. Homero era a
peça que faltava para despertá-lo e certamente a outros.<o:p></o:p></span></h2>
<h2 style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small; font-weight: normal; line-height: 115%;">De repente um <i>clique</i> aconteceu e que o fez enxergar,
entre outras coisas, a enorme biblioteca que seu próprio pai tinha na sala de
visitas.<o:p></o:p></span></h2>
<h2 style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small; font-weight: normal;">Começou por
devorá-la. Tinha 13 anos. Estava atrasado!</span><span style="font-size: medium;"><o:p></o:p></span></span></h2>
JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-54059677863646431212012-10-27T14:38:00.000-07:002012-10-27T14:57:01.383-07:00PASTA 7 - O GRANDE HERÓI<br />
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_wtV6Gwx5y83dTxgAuEOnPkwcqViinB_5Zuy4a7Dq5PgPOdqqV8F0AcUXaBUe51zcqmnOGkmm-0mQ4ADkg3KwfeSVXxH7kl8CyI0CqeCUDp2q2rt92QafQkoY20pT4_gooNsRQUwf2uQL/s1600/images.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="149" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_wtV6Gwx5y83dTxgAuEOnPkwcqViinB_5Zuy4a7Dq5PgPOdqqV8F0AcUXaBUe51zcqmnOGkmm-0mQ4ADkg3KwfeSVXxH7kl8CyI0CqeCUDp2q2rt92QafQkoY20pT4_gooNsRQUwf2uQL/s200/images.jpg" width="200" /></a></div>
A escola e o sistema educacional, nos anos sessenta, no interior do Rio
Grande do Sul eram precários. Havia, de um lado, os valores familiares, esses
sim mais ou menos consistentes, a depender de cada família e ele os teve; de
outro lado a escola, que apresentava um sistema em crise sempre falimentar,
estruturado na rigidez das décadas anteriores e suavizado, quando se tinha
sorte, nas capacidades de um que outro mestre que aportasse no colégio,
trazendo a sua bagagem particularíssima.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Santa Vitória do Palmar, nos 50 e nos 60, como na maior parte do
grande interior do Brasil, migrava ainda da era do transporte animal para a
tração mecânica – a era do automóvel. </div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
O grande herói dessas duas décadas foi o caminhão, segundo o eminente
economista e professor Ignácio Rangel. O caminhão foi o propulsor da economia
brasileira, posto que não tivesse havido outra ou melhor forma de desbravar e
ocupar o vastíssimo interior do Brasil a partir do litoral já povoado, devido
as características próprias deste país gigante. O herói foi o Caminhão!</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5WQUZjR3ekNeasR2h6NS7Z_LtCcDUItcZKiXJ0iwN1bEwpd8sgUfHn4ggfv7sebfsMUB40V7s7X6yCf1w8pFRfhfNsLkqPMpbxAHayEkv9Ac0CmwGgWdHSpvzrDm0WfHGbkFWsS9SBt5A/s1600/caminh%C3%A3o.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="149" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5WQUZjR3ekNeasR2h6NS7Z_LtCcDUItcZKiXJ0iwN1bEwpd8sgUfHn4ggfv7sebfsMUB40V7s7X6yCf1w8pFRfhfNsLkqPMpbxAHayEkv9Ac0CmwGgWdHSpvzrDm0WfHGbkFWsS9SBt5A/s200/caminh%C3%A3o.jpg" width="200" /></a></div>
A magia das carroças, das charretes, dos tílburis e das rapidíssimas e
românticas “aranhas”, saiam de cena para dar lugar aos automóveis de todos os
tipos e formatos, importados dos EUA e Europa, dos modelos A (os calhambeques)
aos rabos-de-peixe. A euforia do pós-guerra, a vitória aliada, os heróis norte
americanos que invadiam a todas as casas brasileiras, pelo rádio, pela TV e
cinema, mudaram o país, a cultura e os valores. O cigarro, o <i>whisky</i>, a audácia do herói militar, os
automóveis, os aviões, os Jeep e os maravilhosos caminhões agora eram os
protagonistas.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Na música e nas artes o país tentava reagir e nos presenteou com
movimentos que materializaram <b>Os Anos
Dourados</b>. Foi o canto do cisne. Os estrangeiros vieram com tudo e dominaram
o Brasil completamente, sem armas, pelo poderio econômico e a sagacidade
administrativa. Bem, estávamos acostumados, desde os portugueses que nos
“descobriram”. E os holandeses, e os franceses e os ingleses, e etc.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Pois o caminhão e tudo o que ele representa, em termos de infraestrutura
necessária, na atualidade, de herói passa a vilão, determinando em grande parte
o caos nacional, junto, claro, com outros conhecidos facínoras, como as drogas
e os narcotraficantes, os burocratas, a corrupção e a impunidade e vamos indo
“Aos Trancos e Barrancos”, título, aliás, de um dos primores do sábio,
pensador, educador e antropólogo Darci Ribeiro, autor também de O Povo
Brasileiro. É preciso citar Rangel e Darci. Este último a ser ainda devidamente
honrado, por ser o primeiro pensador que nos obriga a ver-nos a partir de nós
mesmos, a partir da sua obra – não mais sob a ótica do estrangeiro dominador e
colonizador.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-15336732994638188002012-10-27T14:37:00.003-07:002012-11-11T08:56:22.672-08:00PASTA 6 - VOYEUR<br />
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">A sua tradição familiar, principalmente a ascendência
do avô materno, marcaram em definitivo a sua vida – para pior e para melhor.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">As mães, em primeiríssima instância, são bússola e
sextante na vida dos filhos. Filho sim, mas neto de um certo Capitão – na
verdade <i>Major</i> do Estado Maior do
General Zeca Neto. Este, o principal chefe guerreiro da Revolução de 1932, no
Rio Grande do Sul.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">Sua mãe, indiscutivelmente – para pior e para melhor –
foi marcada a ferro e fogo pela personalidade desse pai revolucionário, típico
gaúcho, um tanto irreverente, sempre disposto às rusgas da política, que em sua
época ainda resolvia tudo pela força das armas. Esse avô foi revolucionário,
jogador e boêmio, delegado de polícia, fazendeiro, criador de gado e arrozeiro,
faliu e endividou-se com o Banco. Parte de sua história pessoal de vida ainda é
certo padrão na região dos campos gaúchos, principalmente as falências e o
eterno endividamento com o Banco do Brasil.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">Deterministicamente, também um pai, mesmo que não tão
agudamente quanto uma matriz uterina, influencia a vida de um filho. E por
razões históricas, mais ainda aos primogênitos, como ele. </span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">Esse pai, por sua vez, também sofreu as influências
das tradições xucras e guerreiras dos gaúchos, natural que era da fronteira
brasileiro-uruguaia, mas trazia com ele um novo tempero – toda uma tradição
européia, adquirida da intrepidez e conhecimentos do seu avô italiano
(calabrês) um Rotta dos precursores e negociadores da posterior vinda de um
navio com 400 famílias de colonos italianos, lá pelo final do século XIX,
principalmente para Santa Vitória do Palmar, mas que muitos desses, depois se
espalharam pelo Brasil afora, pelo Uruguai e pela Argentina. Este episódio da
colônia italiana vitoriense pode ser visto em detalhes na obra do historiador
Péricles Azambuja – História dos mares e terras do Chuí.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">Essa mistura étnica o jogou para a Faculdade de
Economia, que antes da ditadura militar que se iniciou com o Golpe de Estado de
1964, chamava-se Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas. Ele embarcou
nessa canoa muito mais pelo “políticas” do que pelo “econômicas”.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">Podemos considerar aqui o Movimento pela Legalidade,
deflagrado a partir do Rio Grande do Sul, em 1962, chefiado pelo Governador
Leonel de Moura Brizola, como o primeiro grande marco nos acontecimentos que
vieram a culminar com os Anos de Sombra – os quase 30 anos da ditadura militar. </span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">Ele tinha 15 anos de idade quando Brizola agitou
politicamente toda a nação num grito de basta aos desmandos contra a
Constituição Brasileira. Adolescente, chegava a Porto Alegre, capital gaúcha,
para ver todo esse movimento de muito perto – o governador Brizola no Alto das barricadas
do Palácio Piratini, a determinação dos gaúchos de pegar em armas em defesa da
carta magna e depois, as correrias do povo, em confrontos permanentes com as
tropas de choque e a cavalaria.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">A vontade de ver tudo de muito perto era tanta que
contrariava sempre a vontade dos pais. Já por volta de 1964 levantava-se muito
cedo para perambular pelo centro de Porto Alegre e retornar somente tarde da
noite; e corria junto com o povo, de lá para cá, evitando apanhar ou ser preso
pelos terríveis capacetes vermelhos da Brigada Militar do Rio Grande do Sul.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">Consumado o Golpe Militar de 1964, a casa caiu, literalmente. Morava
então na Rua General Portinho, em Porto Alegre. Essa rua ficava a dois
quarteirões, no máximo, dos Comandos Militares – do Quartel General do Terceiro
Exército e do Quartel General da Brigada Militar. A rua estava cercada por
trincheiras improvisadas, inclusive nos bueiros e o movimento das tropas a pé e
motorizadas era constante, também de tanques de guerra. O rádio de pilha ainda
era o grande canal das notícias. A Força Aérea iria ou não bombardear a cidade
de Porto Alegre?</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">Sabe-se hoje que a ordem foi dada, por Orlando Geisel
– irmão do General Ernesto Geisel, penúltimo General Presidente da era dos
milicos no poder. Porém a ordem não foi cumprida. Oficiais pilotos da FAB, da
Base Aérea de Canoas (V Região) negaram-se a obedecer ao General ensandecido.
Veja-se detalhes desse episódio em “1964 – Golpe ou Contra Golpe”, do brilhante
historiador brasileiros Hélio Silva.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13.5pt;">Sobreviveu a esses tempos, talvez por naquele momento
estar apenas exercendo a sua melhor e mais constante atividade, a de <i>“voyeur”</i>
– vedor da vida – caminhando <i>“sem lenço e sem documento”</i> ou fugindo em
correrias pelas ruas entre os dois mais importantes Quarteis Generais da
História Pátria daquele agora, pois ficavam no caminho entre a sua casa e a
Praça da Alfândega – a praça do povo – seu objetivo de todos os dias, a via da
liberdade - para uma maior compreensão das coisas?<o:p></o:p></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 9.9pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-75556650663953199682012-10-27T14:37:00.002-07:002012-11-22T17:12:12.369-08:00PASTA 5 - A ARMA OU... A FAB?<span style="text-align: justify;">Certamente por influência de um piloto da Força Aérea Brasileira,
muito próximo de sua família, um oficial que terminaria seus dias como
Brigadeiro do Ar, ele decidiu ser piloto – e de avião de caça! Aos quinze anos
já tinha urgência disso.</span><br />
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Uma das primeiras coisas que fez ao chegar a Porto Alegre foi pedir ao
pai que lhe pagasse um cursinho para ingressar na EPECAR – Escola Preparatória
de Cadetes do Ar - em Barbacena, Minas Gerais.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Seu pai relutou, mas acabou concordando, e costumava comentar: <i>“se tu passares nesse exame, eu vou pastar
de quatro na Praça da Redenção!” </i>- tanto por perceber o traste de
adolescente problemático que o filho era como também por saber o quanto era
difícil a aprovação nesse exame de admissão.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Pois para surpresa geral o menino que já se sentia homem feito, passou
na prova. Diga-se também que a surpresa maior foi para o próprio.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
No início dos anos sessenta as condições de comunicações e
transportes, no Brasil, eram precárias. Ele estava passando as férias de verão
na Barra do Chuí, em Santa Vitória do Palmar. Como não acreditava na possibilidade
de aprovação, nem se preocupou em verificar o resultado pelos jornais. Quem viu
isso foi um tio que residia em Porto Alegre. O tio então passou <i>“um rádio”</i> (mensagem por radioamador)
avisando do milagre – foi aquele <i>auê!</i></div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
O personagem estava mergulhado em sua boemia precoce, de bailes,
namoros e serestas, pela bucólica Barra do Chuí, mas assumiu esse momento de
glória e disse - <i>“eu vou!”</i> - e foi!</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Barra, Porto Alegre, Base Aérea de Canoas e Base Aérea de Cumbica, em
São Paulo. Muitos e muitos novos exames, físicos e psicotécnicos.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Houve um impasse ao se descobrir que ele era daltônico, embora em
pequeno grau. Tempos depois, ao ser reprovado nesses últimos exames, sem que
jamais o Ministério da Guerra dissesse o porquê (eles só respondiam que era
sigilo, mesmo com a interferência do piloto de caça, então quase Brigadeiro do
Ar), essa questão do daltonismo ficou como sendo <i>a causa </i>da débâcle.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Anos se passaram, ele foi amadurecendo, inclusive em sua autoanálise,
até concluir, sem medo de errar, que não foi o daltonismo a causa da sua recusa
pela FAB. Quem o reprovou foi o médico psiquiatra. Para o médico, o
adolescente não apresentava um equilíbrio emocional, e quem sabe até, traços de
caráter que garantissem o seu sucesso nesse empreitada radical – a de ser
testado em seus limites humanos para se tornar oficial-piloto. O médico não
quis assinar embaixo.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
A dedução não seria tão difícil assim, para um adulto. Por isso ele
precisou que alguns anos se passassem para chegar a essa conclusão.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Aconteceram duas entrevistas com o psiquiatra. Os outros alunos
tiveram uma só. Relata-se a segunda: O psiquiatra disse que o chamara de novo
para que contasse mais uma vez o caso do tiro no braço, cujo ferimento recente
era impossível de esconder. Ele, ingenuamente, contou a mesma absurda e
ridícula mentira que havia contado para a polícia de Santa Vitória do Palmar.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Claro que o eminente policial de Santa Vitória que diligenciou o <i>causo</i>, também não teria acreditado
naquilo que os meninos de quatorze anos combinaram de relatar, mas, por sua
experiência e sensibilidade, amizade aos pais, etc, certamente aceitou as
precárias e improváveis explicações – e deu por encerrado o processo.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Mas o psiquiatra da FAB, que não tinha parte nem arte com essa turma,
não engoliu a história e sentiu o problema.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Na verdade não houve nada de horrível no caso, mas como já foi dito,
os tempos eram outros no interior do Brasil e na fronteira gaúcha lá pela
metade dos anos sessenta.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
A meninada gostava de portar armas – imitando os adultos. Uma das
brincadeiras preferidas era atirar e caçar. Ele tinha ótima pontaria e se
orgulhava disso. As caixas e caixas de balas, calibres 22, 32 e 38 podiam ser
adquiridas, sem nenhum tipo de controle, no armazém da esquina, tanto quanto
cigarros e bebidas alcoólicas – era coisa de homens! E também de uma sociedade
deveras atrasada.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
O incidente, ou acidente do tiro no braço foi mesmo sem intenções,
acidental mesmo, apesar das fofocas e conversas que diziam o contrário. Um
engano e uma falha de comunicação e no respeito ao código que a garotada tinha,
com relação ao porte de suas armas – não apontar e não disparar jamais, nem de
brincadeira, uma arma um para o outro.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
A história, inventada e tramada por ele e sua turma foi para não ter
que entregar para a polícia a arma que efetivamente disparou o tiro – um lindo
revólver Rossi, calibre 22 – pois era uma relíquia que tinha adquirido
justamente naquele dia! Verdadeiramente, não adquiriu, mas trocou pela sua
escopeta, também calibre 22, com um dos garotos, justamente o que desferiu o
tiro.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Essas coisas que não dá pra explicar. Fizeram a troca, no quarto. Ao
darem por concluído o negócio, o dono do revólver entregou-lhe a arma, e pegou
a escopeta, mas por sovina, talvez, retirou as balas. No momento seguinte, foi
ao banheiro. E ele, o novo dono do pequeno revólver, puxou uma de suas caixas
de balas e recarregou, sem que o ex-dono visse o gesto, pois estava já no
banheiro.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Negócio concluído, ele recosta-se na cama, deixando a nova arma
(novamente carregada) na mesa de cabeceira. </div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Certamente um espírito diabólico aproveitou-se do momento. Ao sair do
banheiro, o ex-proprietário, rindo, brincando, sem dar tempo de nada, caminha
em direção a sua ex-arma – que evidentemente pensava estar descarregada –
pega-a e detona o tiro, apontado sem pudor bem perto do coração dele. O despudor
aqui vai por conta do desrespeito descarado ao código da meninada, que por
incrível que pareça, com exceção deste episódio, sempre funcionara.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Isso deu pano pra muita manga, na cidade toda.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
E ele? Bem, com esse <i>imbróglio</i>
todo, ficou mesmo com o revólver calibre 22, niquelado novo, seis balas no
tambor, que manteve escondido por um bom tempo, até que a poeira toda baixasse,
mas... perdeu, possivelmente, a oportunidade de ser um bravo e heroico piloto
de caça da Força Aérea Brasileira. Como iria saber?</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-46849597844381054642012-10-27T14:37:00.001-07:002012-11-22T17:12:58.487-08:00PASTA 4 – SANTA CATARINA<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="text-align: start; text-indent: 35.45pt;">Garopaba
continua o paraíso do surf, também, olha só esse marzão, não é possível viver
muito tempo longe da Praia da Silveira, do Siriú, muitas vezes eu penso nisso
que falaste agora, mas a minha história é outra. Se eu começar a te contar histórias
do meu tempo, nós não falaremos as coisas que temos que falar.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> Pois bem, eu não conhecia o Maurício, não
sabia nada da relação dele com o Érico e nem que era o grande editor do Rio
Grande do Sul. Não sabia nem que ele tinha sido o fundador da feira do livro de
Porto Alegre, ou melhor, acho que isso eu sabia. E a casa do Maurício era
badaladíssima, concorridíssima, por escritores e intelectuais de várias épocas.
Todos queriam bater papo com ele, e aparecer. Nessa época, pelo menos, eu não
queria saber de charme nenhum. Rapidamente entendi a situação e aproveitei a
cabeça e a experiência dele para por a minha mais em ordem, pois que
decididamente não estava!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Monopolizei
o Maurício uma noite inteira. A primeira noite - acho que foram duas noites - questionei-o
muitíssimo, nas entrelinhas, sem abrir demais as coisas Era 1972, compreendes? A
ditadura imperava! Na verdade foi uma ajuda providencial, definidora de rumos.
Eu estava de <i>cabeça feita</i>, totalmente
cego e ensandecido. Os grupos de esquerda clandestinos tinham uma técnica de
manipulação de cabeças muito eficiente e o maior aliado deles era o próprio
sistema imbecil que dominava o país. A direita brasileira era obtusa e feroz e
nos jogava naturalmente para os braços do radicalismo cotidiano e tinha também
todo o romantismo de maio de 68, ainda fresquinho em todos nós.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O
Mauricio me ajudou a <i>travar</i>
definitivamente as armas da destruição. Falou-me do mundo, da vida, e,
sobretudo dos judeus. Isso foi fundamental, era experiência atávica, dele. Essa
trajetória de uma raça sofrida, deu-me uma ideia sobre um novo caminho. Isso me
salvou<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> A cento e vinte quilômetros por hora, o carro
varava a noite fechada de um outono típico da região sul. Nem frio nem calor.
Os eventuais arrepios eram por conta da janela aberta além da medida cautelar,
ou quem sabe, simplesmente por causa do negror da noite.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Você não está dormindo, não?<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Faz
muito tempo, num dia fatídico, ridículo da minha vida, a verdade é que eu quase
me tornei um assassino. Bem, eu poderia ter me tornado um assassino, bastaria
uns copos de cerveja a mais. Havia um deputado, <st1:personname productid="em Porto Alegre" w:st="on">em Porto Alegre</st1:personname>, que no
auge da ditadura, era a caricatura mais grotesca que se possa imaginar, do
civil filho da puta, entreguista, safado, medonho. Via comunistas até debaixo
da cama. Para ele, todos os que discordavam de suas idéias políticas e do
regime militar, eram comunas, guerrilheiros, bandidos. Era um fascista! Tinha
as rádios e as TV’s em suas mãos e torturava a juventude estudantil com seus
discursos cretinos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Juntou-se,
num determinado momento cósmico, numa rodada de cerveja e mais uns três ou
quatro comprimidos de <i>dexamil</i> - que
era uma das drogas da moda, um “ligante” ridículo, que nos deixava mais
angustiados ainda - o fato é que eu queria me mostrar para aquela mulher, uma
menina por quem eu estava apaixonado. Todos nós queríamos que o filho da puta
daquele deputado morresse meio mundo queria, e eu, valentão, logicamente na
frente dela, disse que faria o serviço. Eu mato! E matava mesmo, duvidas? Graças
a Deus a turma votou contra. Acho que mataria. Não sei te explicar exatamente
porque, mas mataria...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Aliás,
não vou escrever mais nenhum livro, nenhuma pesquisa! Dou por escrito o meu
livro sobre o Fernando Ferrari. Como diz o <i>Maldaner</i>
sobre os discurso grandes que lhe dão para ler: <i>Dou por lido!</i> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Tu
viste o filme JFK? Brilhante! Imagina o que eu teria a dizer sobre um assunto
meio igual? O que poderia eu, pobre habitante de um pais subdesenvolvido em
continente pobre, apresentar de novo, ou mesmo razoável, frente ao poder da
riqueza dos irmãos do norte? É, e também da inteligência deles. Realmente são
muito inteligentes! Não dá pra competir! Eu passo a maior parte da minha vida
lutando pela grana da sobrevivência, do mínimo, pagar aluguel, essas coisas,
roupas, imagina! De onde tempo e dinheiro para financiar pesquisas, estudos,
análise de documentos, entrevistas, viagens.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Silêncio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">A minha mente prática te
chateia?</span></i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Tu
vais pra Santa Maria, conheces os descendentes do cara, eles te dão documentos,
relembram fatos, histórias, tu pegas as mais promissoras e vais fundo, juntas
com os teus recortes de jornais, encontras alguns ex-delegados de polícia,
inspetores aposentados, perguntas, anotas e descobres aquilo que já sabemos:
explodiram o avião do homem, como o do Marcos Freire, dizem que até o do
Ulisses Guimarães. Fim. Aí está toda a história. Talvez se conseguires alguns
detalhes mais pitorescos possas servir para uma daquelas reportagens da <b><i>Veja</i></b>
ou <i>da<b>
Isto É</b></i> e eu te pergunto: E daí? O que adiantará praticamente tudo isso,
se vivemos no país da impunidade. Ah, temos que acrescentar que uma das razões
de tanta impunidade é que também não se consegue descobrir nada, os “culpados”,
pois os culpados são sempre algo meio complicado de especificar, são eles, mas
eles quem? O sistema? O sempre vago sistema e nunca se passa disso e quando se
passa, e chega-se a apontar culpados, com provas e tudo, também não acontece nada.
É o Brasil, cara! É o Brasil!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Na
verdade eu não faria nunca toda essa caminhada investigatória. Primeiro porque
não sou detetive. Segundo porque não tenho tempo e nem dinheiro para ficar
furungando a história ou toda essa coisa. No fundo eu tou só fazendo onda, uma
onda comigo mesmo, entendes? Sei lá! Pra não cair a peteca, quem sabe. Eu sei
que existe uma necessidade profunda de Reforma Agrária neste país. Estes tempos
de democracia são tão impressionantemente diferentes do tempo da ditadura! Os
inimigos do povo ficam muito mais camuflados, tão escondidos que a gente vai
esquecendo dessa guerra que é uma realidade. Eu não quero esquecer! Digo-te com
sinceridade que não é nenhum sentimento de vingança ou desforra pelos tempos
negros, mas é porque não acredito nessa paz. Acho que o perigo de um retorno
ainda é muito forte é coisa real, eu sei! E não é paranóia. Quando eu faço
essas minhas pesquisazinhas, parece então que me coloco um pouco mais na verdade
dessa guerra que não esta aparecendo tão bem, hoje em dia.<o:p></o:p></span></div>
JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1954847310237206318.post-80879471742569222732012-10-27T14:37:00.000-07:002012-11-22T17:13:33.874-08:00PASTA 3 - DIÁLOGOS— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Carlos
é radical nas suas conclusões. Isso se expressa até nas suas
roupas e atitudes. Ele não descobriu ainda o mecanismo harmonioso
governado por Leis Maiores. Até compreende e aceita, mas a verdade é
que ele ainda não sentiu a naturalidade da lei das vidas sucessivas
e quando se põe a analisar o mundo do ponto de vista de uma
existência apenas, os grandes enganos passam a ser uma constante,
acaba-se até por nem acreditar em Deus. Sei que isso é um estágio
natural para todo ser humano, mas me preocupa muito. As atitudes do
Carlos podem conduzi-lo a um beco sem saída. É meu filho, porra!</i></span></span><br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="CENTER" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;"><span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;">Final
de tarde de um dia quentíssimo na Ilha, no bar Os Apóstolos. O suor
misturava-se à oleosidade da pele após um dia de árduo trabalho.
Uma rodada de cerveja. Os amigos conversam.</span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Eu
acho que tu te preocupas demais, Luiz Fernando, comenta Ricardo.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.25cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.25cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Não
Ricardo, a vida tem me ensinado muitas coisas e eu vejo as ligações
com muita preocupação. Ele não consegue me esconder coisa alguma,
nem as que faz mais escondido. Essa sua viagem ao Peru é
perigosíssima. Nada a ver com preconceito a mochileiros ou algo
parecido. São as companhias que me preocupam. Queres saber a
verdade? Pois bem, fazer um curso de guerrilha urbana ou rural não é
tão difícil assim.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Basta
você ser um obtuso radical e as aproximações das mentes
sintonizadas nas soluções radicais, pelas armas, logo te encontram.
A juventude sempre foi e é massa de manobra, da esquerda ou da
direita, principalmente porque a maioria dos jovens acha que sabem
tudo. Não te lembras? E o pior é que essa atual raça de
guerrilheiros latinos perderam até o senso de dignidade política,
quero dizer, dos ideais, você entende? Não tem mais essa coisa dum
Bento Gonçalves da Silva por detrás do fio do bigode, dum ideal
à la Bolívar. Acho que esses ideais morreram
definitivamente com Guevara. Guevara foi o último, a fronteira. Até
o El Rei Fidel já se deu conta disso, mas imagina se o Carlos e a
turma dele têm condições, hoje, de avaliar essas complicações.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Sim,
mas o que queres dizer com isso? Qual a diferença que vês nessas
atitudes de guerrilheiros modernos com antigos? Guerrilha é uma
coisa técnica, é uma guerra intestina, é a velha luta pelo poder,
ou mudou? Vou te dar uma só diferença, mas tão marcante que vais
perceber o resto. Não mais é possível entender o mundo, bem, o
mundo da política, da sociologia, da economia, dos sistemas, sem
introduzir uma variável que se impôs completamente no decorrer do
século XX: o crime organizado. Não se chegará jamais a conclusões
razoáveis, a prognósticos bons, analisando as coisas unicamente na
tradicional esquerda e direita. Acontece que no mundo organizado
importante de hoje há esse poder fantástico das organizações
criminosas, encarregadas do tráfico de drogas e de armamentos
bélicos, que assumem posições de esquerda ou direita de acordo com
as suas conveniências, seus interesses.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>É,
eu penso que tens razão. Esse é um fator que complica a análise,
tanto de conjuntura como no longo prazo. Eu, francamente, tenho
dificuldade de fazer previsões para o Brasil ou para a América
Latina. Falo, discuto, mas no fundo eu não tenho nenhuma segurança.
O que vai acontecer? Sei lá! O futuro a Deus pertence! Olha bem,
Ricardo, nós estamos tentando consolidar um processo democrático,
após trinta anos de ditadura da direita. Na medida em que se
fortalece a democracia, pelo crescimento das forças populares que se
organizam a quem o sistema mais incomoda? Aos empresários? Não! Ao
capital! Isso mesmo! Então, veja bem, ficam ameaçados, hoje, o
empresariado corrupto, que tem tido um poder enorme no país, caça-se
PC Farias e seus amigos. Pressiona-se Fernando Collor e a república
das alagoas. Na medida em que a sujeira mais aparece, respinga cada
vez mais aonde? Claro que entre os empresários, políticos, figurões
e quem sabe até em alguns militares aliados à corrupção,
aboletados há décadas no poder. Vou te dizer uma coisa, quando eles
se sentirem demasiadamente pressionados vão dar tiro pra todo lado,
vão querer a volta da ditadura. Aliás, à boca pequena, na base dos
fuxicos, isso é o que mais se comenta por aí. Por enquanto isso não
é nada sério, mas com o tempo!</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Pois
é, diz que o Sarney quer ser o Fujimori brasileiro...</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>O
homem tá se oferecendo? Bem, isso daí é mais complicado ainda.
Acho que sem algum tipo de endurecimento não haverá jamais saída
para nós. O congresso derrubou o Collor, fez um gol, mas meio por
acaso. Não teria pressentido que o Collor estava articulando o golpe
civil para fechar o congresso? Não te espanta! Isso é seríssimo,
cara, mas acho que vai ser uma análise para outro dia.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Deputados
e Senadores, em sua esmagadora maioria, defendem os poderosos, quando
não a própria corrupção, ou mesmo o crime organizado. E então? É
isso aí, cara, é a minha tese! Pelo congresso, dificilmente haverá
saída. Meu Deus estou delirando! Estou a um passo da direita!
Friamente é isso mesmo. Alie-se a inoperância do legislativo à
ineficácia histórica do judiciário, some-se a isso um Estado
falido, que é uma grande ferida aberta no sistema, pelo menos uma
grande parte do executivo, na verdade a maior parte, que não
funciona mesmo e tem-se a explicação porque o Fujimori fechou o
congresso.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Seja
direita ou esquerda, num primeiro momento político após qualquer
ato revolucionário existirá sempre um golpe. Se o sistema é
democrático, ou plutocrático, como o nosso, o golpe será no
legislativo. Acontece que no começo tudo são flores, golpes tem
sempre um grande apoio popular. Só que depois degringola, ou não é
verdade? O caso do Fujimori é um exemplo incrível aonde esse fator
do crime organizado dá bem a medida da complicação. O </i></span></span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i><b>Sendero
Luminoso</b></i></span></span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i> é
uma direita travestida de esquerda. Tu achas que o Fujimori poderia
combater o crime organizado tendo nas mãos unicamente a estrutura do
Estado democrático? Nunca!! Eu nem quero defender o cara, só estou
tentando entender. O problema é que isso tudo é um perigo. Por
enquanto esta até dando certo, os militares estão entrosados, dando
corda no japonês, mas até quando?</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>E
nós? Teremos um Fujimori, um general ou um Miterrand latino? Sei lá!
Esses dias eu refleti a reforma agrária japonesa com um japonês que
viveu tudo enquanto ela se fazia. Tu não imaginas como foi bom
reestudar a coisa fora daquilo que pesquisamos nos livros acadêmicos.
Apesar da guerra e da bomba atômica terem essa conotação imediata
e bombástica do negativo, ele, depois de anos e anos de vida e
reflexão, agora com 63 anos de idade, pensou comigo os aspectos
positivos desse absurdo, que também teve. Segundo ele há que se
reconhecer isso e um deles, sem dúvida, foi a reforma agrária
implantada por Mac Cartey, e aí começamos a pensar a coisa nesse
particular de ter sido um cara de fora a fazer o necessário, tás
compreendendo? Não tem nada mais, só isso aí. Fiquei pensando
muitíssimo nessa particularidade. Aliás, estou pensando até agora
e acho que esse mestre falou uma coisa demasiadamente séria.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Se
os estudos antropológicos do Darcy Ribeiro estiverem corretos, como
eu penso que sim, os países de grande risco para revoluções
intestinas são a Bolívia, o Equador, o Peru e a Venezuela, e penso
que o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Chile, felizmente
distanciam-se cada vez mais dessa possibilidade.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>E
é justamente para o Peru que o Carlos vai, não é mesmo? Aí
residem as tuas preocupações, mas quem sabe tudo isso não passe de
cismas tuas?</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Não,
não são cismas. Não digo que não exista saída para o Carlos, mas
hoje vejo a coisa preta. Ele anda envolvidíssimo com um pessoal de
história de clandestinidade, gente que usa a garotada mesmo, que
pega a garotada na boca das universidades e faz a cabeça da turma. A
minha única esperança é que o Carlos tenha adquirido suficiente
formação no seio da família. Os caras o estão levando, fisgando,
cutucando os seus bons ideais. Como somente esses bons ideais não
bastam ainda para entender a complexidade dessa coisa toda que é a
vida, os sistemas, a sociologia, os caras vão se aproveitando. Na
verdade o Carlos é também um tipo violento. Ainda tem um pé
troglodita muito forte. Isso há que se considerar.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Ele
é teu único filho, é isso aí, filho único é fogo! Ainda mais
que teu casamento que não deu certo, quase não tens podido viver
perto dele. Não esquenta não, tudo vai dar muito certo, precisas
confiar mais nas forças do astral superior, que são fortes,
poderosas, tem coisas que são do carma duma pessoa, se ele tem que
vivenciar aquilo, não vai ter jeito não.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Vamos
ver. Semana que vem ele parte, rumo ao foco dos problemas latinos. A
última </i></span></span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i><b>Veja</b></i></span></span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i> tem
uma entrevista com o Fujimori. O japonês é tão ardiloso que quase
me convence da "excelência da ditadura civil". Que Deus
proteja o Carlos. Eu vou rezar muito por ele. E o Mariano, tens visto
a peça?</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Não,
ainda bem. Deus que me perdoe, mas eu tenho até dificuldade de
conversar muito com ele. Continua o mesmo pão-duro de sempre,
explorador, não compra um jornal e não bota a mão no bolso nem pra
pagar uma coca-cola.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>É
o Mariano mesmo!</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;"><span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;">Uma
risada que vai se transformando em uma boa gargalhada envolve os
amigos.</span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;">— <span style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: medium;"><i>Faz
uns dois dias fui visitar o Marcão. Deve ser a décima quinta
internação, sempre o mesmo e sempre a mesma coisa! Tu já conheces
o filme. Desta vez está no pavilhão dos alcoólatras do Caridade.
Se os caras descobrem que ele, além de álcool, puxa fumo e cheira
coca, nas horas vagas, expulsam-no de lá. É pavilhão
especializado. São cegos ainda, não admitem multi-drogados. É
triste ver o Marcão enclausurado naquela fortaleza de orgulho em que
se transformou, matando-se dessa maneira brutal.</i></span></span></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
JOSÉ VITOR CENTENO RODRIGUEShttp://www.blogger.com/profile/17582672129891158860noreply@blogger.com0