Arquivo Permanente é o nome moderno que se dá ao velho ARQUIVO MORTO. Pois então, isto aqui é mesmo uma espécie de Arquivo Morto. Florianópolis, Ilha de Santa Catarina.
PASTA 8 - O MESTRE
O medo de
enfrentar-se com os valentões da escola pública não era pouco. As intermináveis
e diárias brigas de rua em sua zona já
eram bem difíceis; deixava-o ressabiado e meio acovardado. Enfim, tinha que
enfrentar, era o jeito, nem que fosse desviando uma que outra rua,
estrategicamente.
Os anos da escola
primária passaram-se muito rapidamente. Mas não foram mais importantes do que
as férias nas fazendas dos primos e amigos e muito menos do que as fantásticas vacaciones na Barra do Chuí.
E então chegara o
tempo de vestir a farda, o uniforme do Ginásio Estadual de Santa Vitória do
Palmar. Era uma farda efetivamente militar, com galões no ombro que indicavam,
assim como os galões de cabo e sargento, o ano que se estava cursando – do primeiro
ginasial (um galão – um risco em V deitado apontando para fora) até o quarto
(quatro riscos, em azul marinho e branco).
O primeiro ano do Ginásio
equivalia a sexta série, pois eram cinco anos de primário e depois mais quatro
anos de ginásio, para seguir então com o curso científico, ou clássico, ou uma
escola técnica. A partir daí, vinham então os cursos superiores – as
faculdades.
Para ingressar no
ginásio - 6º série - era preciso fazer uma espécie de vestibular – o exame de admissão.
Ele passou, a duras penas, de baixo de muita briga e muita teima da mãe e da
“cinta” do pai, além de uma infinidade de professores particulares e castigos. E
por quê? Simplesmente porque para ele nada podia ser tão ou mais importante do
que jogar futebol – que jogava mal, lutar com espadas – que jogava bem, andar a
cavalo e depois de bicicleta, lubrificar as armas e caçar.
Boa parte dos
professores do Ginásio eram bons, sem dúvida, mas aí chegou a sua sorte. Aportava no Ginásio um professor diferente,
com fala diferente, abordagem nova, um jeito de tratar e se relacionar com os
alunos fora do convencional. Retornava para Santa Vitória, com o propósito de
lecionar geografia - o professor Homero. Fechava-se um circuito. Homero era a
peça que faltava para despertá-lo e certamente a outros.
De repente um clique aconteceu e que o fez enxergar,
entre outras coisas, a enorme biblioteca que seu próprio pai tinha na sala de
visitas.
Começou por
devorá-la. Tinha 13 anos. Estava atrasado!
PASTA 7 - O GRANDE HERÓI
A escola e o sistema educacional, nos anos sessenta, no interior do Rio
Grande do Sul eram precários. Havia, de um lado, os valores familiares, esses
sim mais ou menos consistentes, a depender de cada família e ele os teve; de
outro lado a escola, que apresentava um sistema em crise sempre falimentar,
estruturado na rigidez das décadas anteriores e suavizado, quando se tinha
sorte, nas capacidades de um que outro mestre que aportasse no colégio,
trazendo a sua bagagem particularíssima.
Santa Vitória do Palmar, nos 50 e nos 60, como na maior parte do
grande interior do Brasil, migrava ainda da era do transporte animal para a
tração mecânica – a era do automóvel.
O grande herói dessas duas décadas foi o caminhão, segundo o eminente
economista e professor Ignácio Rangel. O caminhão foi o propulsor da economia
brasileira, posto que não tivesse havido outra ou melhor forma de desbravar e
ocupar o vastíssimo interior do Brasil a partir do litoral já povoado, devido
as características próprias deste país gigante. O herói foi o Caminhão!
A magia das carroças, das charretes, dos tílburis e das rapidíssimas e
românticas “aranhas”, saiam de cena para dar lugar aos automóveis de todos os
tipos e formatos, importados dos EUA e Europa, dos modelos A (os calhambeques)
aos rabos-de-peixe. A euforia do pós-guerra, a vitória aliada, os heróis norte
americanos que invadiam a todas as casas brasileiras, pelo rádio, pela TV e
cinema, mudaram o país, a cultura e os valores. O cigarro, o whisky, a audácia do herói militar, os
automóveis, os aviões, os Jeep e os maravilhosos caminhões agora eram os
protagonistas.
Na música e nas artes o país tentava reagir e nos presenteou com
movimentos que materializaram Os Anos
Dourados. Foi o canto do cisne. Os estrangeiros vieram com tudo e dominaram
o Brasil completamente, sem armas, pelo poderio econômico e a sagacidade
administrativa. Bem, estávamos acostumados, desde os portugueses que nos
“descobriram”. E os holandeses, e os franceses e os ingleses, e etc.
Pois o caminhão e tudo o que ele representa, em termos de infraestrutura
necessária, na atualidade, de herói passa a vilão, determinando em grande parte
o caos nacional, junto, claro, com outros conhecidos facínoras, como as drogas
e os narcotraficantes, os burocratas, a corrupção e a impunidade e vamos indo
“Aos Trancos e Barrancos”, título, aliás, de um dos primores do sábio,
pensador, educador e antropólogo Darci Ribeiro, autor também de O Povo
Brasileiro. É preciso citar Rangel e Darci. Este último a ser ainda devidamente
honrado, por ser o primeiro pensador que nos obriga a ver-nos a partir de nós
mesmos, a partir da sua obra – não mais sob a ótica do estrangeiro dominador e
colonizador.
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