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PASTA 5 - A ARMA OU... A FAB?

Certamente por influência de um piloto da Força Aérea Brasileira, muito próximo de sua família, um oficial que terminaria seus dias como Brigadeiro do Ar, ele decidiu ser piloto – e de avião de caça! Aos quinze anos já tinha urgência disso.
Uma das primeiras coisas que fez ao chegar a Porto Alegre foi pedir ao pai que lhe pagasse um cursinho para ingressar na EPECAR – Escola Preparatória de Cadetes do Ar - em Barbacena, Minas Gerais.
Seu pai relutou, mas acabou concordando, e costumava comentar: “se tu passares nesse exame, eu vou pastar de quatro na Praça da Redenção!” - tanto por perceber o traste de adolescente problemático que o filho era como também por saber o quanto era difícil a aprovação nesse exame de admissão.
Pois para surpresa geral o menino que já se sentia homem feito, passou na prova. Diga-se também que a surpresa maior foi para o próprio.
No início dos anos sessenta as condições de comunicações e transportes, no Brasil, eram precárias. Ele estava passando as férias de verão na Barra do Chuí, em Santa Vitória do Palmar. Como não acreditava na possibilidade de aprovação, nem se preocupou em verificar o resultado pelos jornais. Quem viu isso foi um tio que residia em Porto Alegre. O tio então passou “um rádio” (mensagem por radioamador) avisando do milagre – foi aquele auê!
O personagem estava mergulhado em sua boemia precoce, de bailes, namoros e serestas, pela bucólica Barra do Chuí, mas assumiu esse momento de glória e disse - “eu vou!” - e foi!
Barra, Porto Alegre, Base Aérea de Canoas e Base Aérea de Cumbica, em São Paulo. Muitos e muitos novos exames, físicos e psicotécnicos.
Houve um impasse ao se descobrir que ele era daltônico, embora em pequeno grau. Tempos depois, ao ser reprovado nesses últimos exames, sem que jamais o Ministério da Guerra dissesse o porquê (eles só respondiam que era sigilo, mesmo com a interferência do piloto de caça, então quase Brigadeiro do Ar), essa questão do daltonismo ficou como sendo a causa da débâcle.
Anos se passaram, ele foi amadurecendo, inclusive em sua autoanálise, até concluir, sem medo de errar, que não foi o daltonismo a causa da sua recusa pela FAB. Quem o reprovou foi o médico psiquiatra. Para o médico, o adolescente não apresentava um equilíbrio emocional, e quem sabe até, traços de caráter que garantissem o seu sucesso nesse empreitada radical – a de ser testado em seus limites humanos para se tornar oficial-piloto. O médico não quis assinar embaixo.
A dedução não seria tão difícil assim, para um adulto. Por isso ele precisou que alguns anos se passassem para chegar a essa conclusão.
Aconteceram duas entrevistas com o psiquiatra. Os outros alunos tiveram uma só. Relata-se a segunda: O psiquiatra disse que o chamara de novo para que contasse mais uma vez o caso do tiro no braço, cujo ferimento recente era impossível de esconder. Ele, ingenuamente, contou a mesma absurda e ridícula mentira que havia contado para a polícia de Santa Vitória do Palmar.
Claro que o eminente policial de Santa Vitória que diligenciou o causo, também não teria acreditado naquilo que os meninos de quatorze anos combinaram de relatar, mas, por sua experiência e sensibilidade, amizade aos pais, etc, certamente aceitou as precárias e improváveis explicações – e deu por encerrado o processo.
Mas o psiquiatra da FAB, que não tinha parte nem arte com essa turma, não engoliu a história e sentiu o problema.
Na verdade não houve nada de horrível no caso, mas como já foi dito, os tempos eram outros no interior do Brasil e na fronteira gaúcha lá pela metade dos anos sessenta.
A meninada gostava de portar armas – imitando os adultos. Uma das brincadeiras preferidas era atirar e caçar. Ele tinha ótima pontaria e se orgulhava disso. As caixas e caixas de balas, calibres 22, 32 e 38 podiam ser adquiridas, sem nenhum tipo de controle, no armazém da esquina, tanto quanto cigarros e bebidas alcoólicas – era coisa de homens! E também de uma sociedade deveras atrasada.
O incidente, ou acidente do tiro no braço foi mesmo sem intenções, acidental mesmo, apesar das fofocas e conversas que diziam o contrário. Um engano e uma falha de comunicação e no respeito ao código que a garotada tinha, com relação ao porte de suas armas – não apontar e não disparar jamais, nem de brincadeira, uma arma um para o outro.
A história, inventada e tramada por ele e sua turma foi para não ter que entregar para a polícia a arma que efetivamente disparou o tiro – um lindo revólver Rossi, calibre 22 – pois era uma relíquia que tinha adquirido justamente naquele dia! Verdadeiramente, não adquiriu, mas trocou pela sua escopeta, também calibre 22, com um dos garotos, justamente o que desferiu o tiro.
Essas coisas que não dá pra explicar. Fizeram a troca, no quarto. Ao darem por concluído o negócio, o dono do revólver entregou-lhe a arma, e pegou a escopeta, mas por sovina, talvez, retirou as balas. No momento seguinte, foi ao banheiro. E ele, o novo dono do pequeno revólver, puxou uma de suas caixas de balas e recarregou, sem que o ex-dono visse o gesto, pois estava já no banheiro.
Negócio concluído, ele recosta-se na cama, deixando a nova arma (novamente carregada) na mesa de cabeceira.
Certamente um espírito diabólico aproveitou-se do momento. Ao sair do banheiro, o ex-proprietário, rindo, brincando, sem dar tempo de nada, caminha em direção a sua ex-arma – que evidentemente pensava estar descarregada – pega-a e detona o tiro, apontado sem pudor bem perto do coração dele. O despudor aqui vai por conta do desrespeito descarado ao código da meninada, que por incrível que pareça, com exceção deste episódio, sempre funcionara.
Isso deu pano pra muita manga, na cidade toda.
E ele? Bem, com esse imbróglio todo, ficou mesmo com o revólver calibre 22, niquelado novo, seis balas no tambor, que manteve escondido por um bom tempo, até que a poeira toda baixasse, mas... perdeu, possivelmente, a oportunidade de ser um bravo e heroico piloto de caça da Força Aérea Brasileira. Como iria saber?

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