A sua tradição familiar, principalmente a ascendência
do avô materno, marcaram em definitivo a sua vida – para pior e para melhor.
As mães, em primeiríssima instância, são bússola e
sextante na vida dos filhos. Filho sim, mas neto de um certo Capitão – na
verdade Major do Estado Maior do
General Zeca Neto. Este, o principal chefe guerreiro da Revolução de 1932, no
Rio Grande do Sul.
Sua mãe, indiscutivelmente – para pior e para melhor –
foi marcada a ferro e fogo pela personalidade desse pai revolucionário, típico
gaúcho, um tanto irreverente, sempre disposto às rusgas da política, que em sua
época ainda resolvia tudo pela força das armas. Esse avô foi revolucionário,
jogador e boêmio, delegado de polícia, fazendeiro, criador de gado e arrozeiro,
faliu e endividou-se com o Banco. Parte de sua história pessoal de vida ainda é
certo padrão na região dos campos gaúchos, principalmente as falências e o
eterno endividamento com o Banco do Brasil.
Deterministicamente, também um pai, mesmo que não tão
agudamente quanto uma matriz uterina, influencia a vida de um filho. E por
razões históricas, mais ainda aos primogênitos, como ele.
Esse pai, por sua vez, também sofreu as influências
das tradições xucras e guerreiras dos gaúchos, natural que era da fronteira
brasileiro-uruguaia, mas trazia com ele um novo tempero – toda uma tradição
européia, adquirida da intrepidez e conhecimentos do seu avô italiano
(calabrês) um Rotta dos precursores e negociadores da posterior vinda de um
navio com 400 famílias de colonos italianos, lá pelo final do século XIX,
principalmente para Santa Vitória do Palmar, mas que muitos desses, depois se
espalharam pelo Brasil afora, pelo Uruguai e pela Argentina. Este episódio da
colônia italiana vitoriense pode ser visto em detalhes na obra do historiador
Péricles Azambuja – História dos mares e terras do Chuí.
Essa mistura étnica o jogou para a Faculdade de
Economia, que antes da ditadura militar que se iniciou com o Golpe de Estado de
1964, chamava-se Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas. Ele embarcou
nessa canoa muito mais pelo “políticas” do que pelo “econômicas”.
Podemos considerar aqui o Movimento pela Legalidade,
deflagrado a partir do Rio Grande do Sul, em 1962, chefiado pelo Governador
Leonel de Moura Brizola, como o primeiro grande marco nos acontecimentos que
vieram a culminar com os Anos de Sombra – os quase 30 anos da ditadura militar.
Ele tinha 15 anos de idade quando Brizola agitou
politicamente toda a nação num grito de basta aos desmandos contra a
Constituição Brasileira. Adolescente, chegava a Porto Alegre, capital gaúcha,
para ver todo esse movimento de muito perto – o governador Brizola no Alto das barricadas
do Palácio Piratini, a determinação dos gaúchos de pegar em armas em defesa da
carta magna e depois, as correrias do povo, em confrontos permanentes com as
tropas de choque e a cavalaria.
A vontade de ver tudo de muito perto era tanta que
contrariava sempre a vontade dos pais. Já por volta de 1964 levantava-se muito
cedo para perambular pelo centro de Porto Alegre e retornar somente tarde da
noite; e corria junto com o povo, de lá para cá, evitando apanhar ou ser preso
pelos terríveis capacetes vermelhos da Brigada Militar do Rio Grande do Sul.
Consumado o Golpe Militar de 1964, a casa caiu, literalmente. Morava
então na Rua General Portinho, em Porto Alegre. Essa rua ficava a dois
quarteirões, no máximo, dos Comandos Militares – do Quartel General do Terceiro
Exército e do Quartel General da Brigada Militar. A rua estava cercada por
trincheiras improvisadas, inclusive nos bueiros e o movimento das tropas a pé e
motorizadas era constante, também de tanques de guerra. O rádio de pilha ainda
era o grande canal das notícias. A Força Aérea iria ou não bombardear a cidade
de Porto Alegre?
Sabe-se hoje que a ordem foi dada, por Orlando Geisel
– irmão do General Ernesto Geisel, penúltimo General Presidente da era dos
milicos no poder. Porém a ordem não foi cumprida. Oficiais pilotos da FAB, da
Base Aérea de Canoas (V Região) negaram-se a obedecer ao General ensandecido.
Veja-se detalhes desse episódio em “1964 – Golpe ou Contra Golpe”, do brilhante
historiador brasileiros Hélio Silva.
Sobreviveu a esses tempos, talvez por naquele momento
estar apenas exercendo a sua melhor e mais constante atividade, a de “voyeur”
– vedor da vida – caminhando “sem lenço e sem documento” ou fugindo em
correrias pelas ruas entre os dois mais importantes Quarteis Generais da
História Pátria daquele agora, pois ficavam no caminho entre a sua casa e a
Praça da Alfândega – a praça do povo – seu objetivo de todos os dias, a via da
liberdade - para uma maior compreensão das coisas?
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